sábado, 15 de agosto de 2009

O aniversário da Lili


A convite do ilustre Director deste periódico, mas já um pouco distante do humilde acontecimento, vou então descrever o dia 4 de Julho de 2009.
Nesse dia estival, despertei suavemente num leito que não era o meu e, por instantes, senti-me naquele vácuo de pensamento em relação ao onde e quando, até que fui de facto acordada pelo doce beijo de parabéns do meu João Coração de Leão.
Com os sentidos mais espevitados, apercebi-me, através da janela, que na rua o ambiente era festivo. Nada tinha a ver com o meu aniversário, é claro, mas foi de facto agradável acordar não ao som de “arraial e foguetes no ar” como quando o rei fez anos, mas havia sim a música de tambores e gaita de foles, a melodia dos pregões dos feirantes medievais, o ruído cadenciado dos cascos de burro dos aguadeiros…


Ah, pois! Hoje é a feira medieval cá do burgo! Que agradável despertar! Ainda por cima o tempo estava convidativo a participar no evento. Ala, moleiro, que se faz tarde! Lençóis para trás e aí vou eu em direcção à cozinha, passando primeiramente pela casa de banho, que assim recomendam as regras de higiene.
Aí (na cozinha) continuei a receber os parabéns dos presentes e também dos ausentes, via telefone. A minha mãe, cuja memória se assemelha ao bruxulear de uma vela, teve de ser lembrada quanto ao evento e, quando questionada sobre a minha idade, respondeu que eu fazia 80 anos, para logo de seguida dizer “ estás bem, tu não envelheces”. Brincámos com a situação para não cairmos em tristezas. Na verdade, a companhia da minha mãe teve um enorme significado neste dia. Apesar da fragilidade em que vive, continuo a ver nela uma força que me protege, uma amiga incondicional, um cordão umbilical que nunca falhará.
Depois, uma voltinha pelo recinto da feira atapetado de giestas e de palha para a recepção ao rei D. João I e seu séquito. Cumprimentos aos conhecidos, uma conversa aqui outra acolá, até que chegou a hora do almoço. Aí a minha mana esmerou-se preparando um suculento cabritinho comprado directamente ao produtor acompanhado do divinal sumo da Bairrada e rematado com um bolo de laranja deliciosamente fresco e húmido, também da sua lavra.
Depois do café, mais uma voltinha pela feira, agora mais animada, pois os forasteiros tinham subido ao burgo.
Os saltimbancos mostravam suas destrezas, ovacionados pela arraia miúda e pelos nobres, que se passeavam em grande pompa. Um pobre condenado era trucidado pela guilhotina. Duas bailarinas contorciam-se em movimentos de sereias e a dança do ventre viajara através destas duas odaliscas saídas de uma qualquer tenda de um sultão de Marrakesh. A música sibilina contagiava os circunstantes e olhos gulosos devoravam aquelas peles curtidas de tanto sol mediterrânico.
Dentro do mesmo clima escaldante, éramos convidados a entrar na tenda onde os utensílios e variedade de chás esperavam por nós, sobre tapetes persas e pufs aveludados.
As tendinhas alinhavam-se ao longo da avenida principal e desde o artesanato ( onde o Tio João comprou umas fisgas para o chocolate), passando pelos produtos agrícolas, pelos chás e licores para todas as maleitas, vindas directamente da terra do Padre Fontes , ofereciam-se aos nossos olhos e ao nosso olfacto e, ainda, o odor a pão, a filhós, a biscoitos, a cavacas, a fogaças, a um nunca mais acabar de doces iguarias.

Alto aí! O rei está a chegar! O castelo altaneiro engalanado a preceito exibe seus estandartes. Um som de trombeta anuncia a chegada real. Sua Majestade sobe os degraus do pelourinho e segue-se um espectáculo: trata-se de um torneio de armas, primeiro a pedantes e depois a cavalo. Sobressai uma figura feminina com músculos rijos, D. Mumadona, que aniquila retumbantemente o feroz contendor.


Entretanto ouvia-se a voz majestosamente potente de um D. João palavroso e mal educado: “retirai-vos para vosso canto, mal cheirosos fedelhos!”; “ afastai vossos cagueiros das cordas!”… e mais disse, mas mulher (mesmo plebeia) que se preze não o deve repetir…
O clímax atingiu-se quando os valorosos penedonenses medievais conseguiram expulsar do castelo os castelhanos malditos que dele se tinham apoderado.
E foi assim viajando na máquina do tempo até à Idade Média que decorreram os meus 58 verões, data em que muito mais se passou, mas, não querendo massacrar os possíveis leitores, por aqui me fico.
Tia Lili

1 comentário:

  1. Ena! Que prosa alegre e colorida!

    Parabéns! Conseguiste colocar as fotos a intervalar o texto, coisa que a aqui moça das tecnologias ainda não descobriu como...

    Sandra

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