segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O milagre da união

No que aos preparativos diz respeito, foram as conversas sobre roupas, os trecos necessários à escalada da Serra do Gerês e a já esperada negociação sobre a bôla.
Vou fazer, dizia a vovó Mimi.Tem cuidado não te carregues de coisas, dizia eu. Lá estás tu, dizia ela, e blá, blá, blá...
Chegada ao Porto, trapos e trecos para um lado e massa para o outro.
A vovó já tinha comprado tudo e tudo era muito...muitas carnes, muitos ovos, que assim é que deve ser.

Logo pela manhã a azáfama foi grande, a vovó quer fazer tudo com muito tempo e insiste sempre que a bôla tem de levedar e por isso toca a andar.
Desta vez a farinha foi muito bem peneirada e a massa tão bem amassada e levedada que saiu tabuleiros fora, ainda crua, com vontade de chegar antes de todos ao Gerês.
Espalhou-se por todo o espaço disponível e transbordou-se no forno e no forninho.
Esta imagem de tanta abundância ajudou-me a perceber que o fermento desta bôla é mesmo muito especial! Parece em tudo igual às outras, mas esta bôla além de tudo o que está prescrito como ingrediente, leva algo mais...é o carinho e o amor com que é feita que a faz especial e faz o milagre da união familiar à sua volta.
Por outro lado, o tio Álvaro, sempre criativo, lembrou a importância do Vinho para fazer a festa e celebrar a família. Combinámos entre nós os dois levar uma garrafa de Porto para fazer uma surpresa à família.

E lá fomos à descoberta do caminho, que o Tio Nando o sabe de cor, lá isso sabe, mas às vezes há por lá umas indicações que não batem certo com o acertado e o Tio Nando diz : “afinal eu pensava que estavamos a ir por ali, mas por aqui, é também uma boa solução. A última vez que eu estive aqui, fomos por ali, e agora ...vamos é por aqui, vamos lá...”
Chegados ao destino, que o destino não estava traçado, lá fomos à sopinha que a fome já dava sinal...

Depois rumámos às casinhas com a descoberta dos espaços que o Tio Nando tinha negociado.
O núcleo duro, da bôla fofa e do vinho macio, não tinha dado sinal a ninguém de que havia bôla e vinho para fazer a festa nocturna.
A vovó levava a bôla e nem sabia do vinho, nem da ideia de a todos convidar, mas estava ansiosa para perceber quando a dita se comia...
Deixámos que se fizesse a despedida e lá foi cada um para seu lado, em alguns casos mais do que um para o mesmo lado.
Chegados à nossa casinha dissemos à vóvó Mimi qual era a ideia, além da sua boa bôla, havia vinho do Porto para brindar à união familiar e fazer a festa.
Ela, já de pijama vestido, não cabia dentro dele de tão contente. Liga, liga dizia ela, e eu liguei e ansiedade aumentava até chegar a resposta. A resposta chegou primeiro e todos os outros vieram depois. Só o neto mais velho ficou trabalhando...
Foi uma festa tão simples quanto grandiosa de significado, qual milagre conseguido pela bôla e pelo delicioso néctar.

A vovó adormeceu feliz e serena mas adivinhava-se a pena de não caminhar no dia seguinte...
A manhã foi calma para quem ficou, mas teve a animação do Chocolate e da tia Fátima e um bom pequeno almoço no café de uma senhora que até foi buscar pão para nós, enquanto aguardávamos sentadas.
Um verdadeiro serviço na hora, que faz jus às empresas que nas horas não fazem nada.
Houve ainda tempo para uma passeata pelas redondezas com o Chocolate entusiasmado pelos galos e pelo cães, com conversas muito animadas com algumas senhoras de negro vestidas ,bigode farfalhudo e penugem basta pelo rosto, que suspeitei tivessem sido elas a dar origem “ao pêlo na venta” de que tanto se fala. .
Quando os caminhantes chegaram, era vê-los rosados e transpirados pelo esforço acentuado com a força do calor.
O bicho prometido estava pronto e fomo-nos todos a ele, que os que ficaram no sopé(?)estavam igualmente famintos.

No fim surge o desafio que o Tio Nando lança em tom de inocente proposta.
Afinal, a ideia era só andar um pouquinho para desmoer... e aí eu estava, mais uma vez, disponível para ficar acompanhando a vovó enquanto os outros desmoíam...mas eis que a vovó olhando rendida a proposta do Tio Nando (e pensando com os seus botões, é desta, é desta) responde afirmativo ao desafio.
A minha aflição cresceu, mas aonde vamos? Qual é a distância? E o Tio Nando seguro e determinado,no seu tom bem conhecido, responde que a coisa é fácil porque tem um passadiço! Um passadiço?
Sim um passadiço!!!!
Foi um passadiço de 200 e tal degraus ó pra baixo e depois os mesmos, que pareciam mais, ó pra cima!
Ainda hoje não acredito no que vivi.
A vovó deu um exemplo que lhe veio de dentro, movido pela segurança que a família inspirava e da lição de persistência e da vontade de fazer parte activa do grupo.
Afinal quem quer pode, e ela pôde porque quis!
Quis fazer parte, não estar ao lado, mas estar com, com os filhos e com os netos, com os seus, hoje mais do que nunca a razão única dos seus dias.
Uma lição determinada de vontade de vencer!
Chegados ao fim da festa , ficou da festa o momento final!
Ou seja, a surpresa aconteceu, a bôla faz milagres!
Já ninguém duvida.


Rosarinho
10 de Julho de 2009

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